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terça-feira, 26 de julho de 2011

O Sorriso das Ruas



texto de capa publicado por Rubia Cristina dos Santos, no Jornal Platéia (ainda com acento), em setembro de 2007

Há muito tempo que o vejo na rua. Andar rápido, corpo arcado, chinelo de dedo menor que seu número e pele suada e curtida. As várias ruas da cidade já foram percorridas por ele e seu carrinho. E já houve muitos carrinhos. Alguns foram queimados por maldade e outros roubados. Agora o menino de 40 anos, que teve seu apelido aos 12, quando seu sorriso sorriu em uma propaganda de creme dental na televisão, está aprendendo música.
Sorriso é Ademir de Andrade e nasceu no mês de dezembro. Sempre morou no bairro Nossa Senhora das Graças. E é difícil alguém de Itajaí não conhecê-lo. Ele percorre as ruas da cidade com seu carrinho catando papelão, desde os 15 anos. “Por que começou a catar papel?”. Ele esfrega o polegar e o indicador: dinheiro. Fala muito pouco, sua mãe é que costuma responder as perguntas sobre a vida de um de seus 12 filhos. Ela não lembra se ele é o sexto, sétimo ou oitavo. “Foram tantos né, nega?”. Dona Maria Linhares de Andrade, de 68, que há 20 anos perdeu a visão, diz que o trânsito é a sua grande preocupação, quando Sorriso sai cedo para as ruas. “O trânsito está cada vez mais violento, mas Deus cuida dele. Ele gosta de trabalhar”, ela fala com fé do ofício do filho que começou a andar apenas com 6 anos. “Ele era tão miudinho que dava pra pegar no colo. Só engatinhava”, disse Dona Maria. E quando esse menino começou a andar, não quis mais parar. “Os carros param tudo pra ele passar. Ele vai que nem um doido e ‘carca’, nega”, diz a mãe do catador de papelão de 1,60m, que é querido por muita gente e que sempre ganha o seu prato de almoço em alguma casa. “Até os ‘policial’ gostam dele”, fala sobre o respeito que foi conquistado no dia-a-dia. E, para a casa de alvenaria construída há 4 meses limpinha e caprichada ele só volta no final da tarde. “Agora ele vem mais cedo pra ir pra igreja”, disse a irmã mais velha, Maria da Silva, de 48 anos, a Tina.
Durante a conversa, estava sintonizada uma rádio evangélica. Todos lá são da Igreja Quadrangular. Sorriso freqüenta várias igrejas. Na parede, um quadro: “O Senhor é o meu pastor: nada me faltará”. Quando o Sorriso não está na lida catando seus papelões, ganhando uns 100 reais em dois meses, ele vai para os cultos, faz os passeios em retiros, vai aos encontros de jovens e está aprendendo a tocar clarinete. Foi até difícil encontrá-lo em casa. É pessoa de alma pura e a timidez toma conta da sua maneira de se expressar. Mas quando pergunto do que ele não gosta, Sorriso aponta para o aparelho de televisão e faz um gesto de negação com a cabeça: “Não gosto. Só gosto de escutar fita”, deixa claro sua preferência à música.
Já teve época de eleições em que seu carrinho ficava repleto de adesivos políticos. Ele trocava o seu marketing por nada ou por camisas que também estampavam os nomes e os números dos candidatos. Na época em que fez a propaganda e apareceu na televisão, ganhou em troca roupa e tênis. Dinheiro não. Entretanto, recebeu algo que ficou bem marcado: o apelido. E, Ademir, ainda que abaixo de sol forte, ou chuva, ele continua sorrindo, mesmo com o olhar triste e com o carrinho socado a papelão. Tão pesado que chega a fazer doer sua arca. E não pára de caminhar.

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Rubia